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    Episodes (40)

    Boca a Boca - cenas dos próximos capítulos

    Boca a Boca - cenas dos próximos capítulos

    Selecionamos para cada temporada um tema agregador que, de certa forma, estabelece uma ligação entre o todo e os temas específicos das atividades e dos espetáculos programados. 

    Na temporada 2021, dedicámo-nos à “presença”. Porque, mesmo quando estamos num lugar, nem sempre estamos presentes. Porque, num momento como o que vivemos estes dois anos, nunca essa distinção foi tão óbvia. 

    Para esta nova temporada e como pano de fundo, escolhemos os elementos Água, Ar, Fogo, Terra… e Éter. Começamos com o Corpo em movimento, no Encontro de dança contemporânea NANT- novas acções, novos tempos, o corpo agregador de todos estes elementos para depois questionarmos a nossa relação com a geografia, os oceanos, as nuvens e tudo o que nos rodeia. 

    Vivemos na era do Antropoceno, numa era onde o ser humano é a força geofísica maior, capaz de criar a sua própria extinção. No entanto, no dia a dia, só nos preocupamos quando sentimos uma tempestade fora de época, um incêndio desmesurado, um tsunami que arrasa uma cidade em poucos minutos. Vivemos num mundo distorcido que, contra todas as evidências, nos parece arrumado, “normal”. Não vemos a calamidade a acontecer, ela é contínua. E continua.

    As coisas quando acontecem e não incomodam não se veem. Não sabemos muitas vezes de que é feito o chão que pisamos a não ser quando tropeçamos no caminho. 

    Para ver melhor ou para tornar o invisível visível, é preciso, por vezes, ampliar a sua acção ou retirar as coisas do seu contexto, e é isso que um Teatro faz: retira as coisas do seu lugar habitual, onde acabam por ser invisíveis, para as colocar noutro sítio e poderem ser observadas em detalhe revelando, assim, outros sentidos. 

    A escolha dos quatro elementos +1 é um convite para assistirem a um concerto, a um espetáculo, a uma coreografia, sem perder de vista a matéria de que são feitos os corpos, as vozes, os movimentos, as ideias, o tempo – Ar, Terra, Água, Fogo. Éter.

    Cada criação artística é, por um lado, uma tentativa de aceder ao princípio mais elementar de tudo, procurando a matéria-prima de tudo, e, por outro, é o exercício de desenhar o futuro, colocando as peças que conhecemos numa outra posição.

    A Arte é uma forma de renovar o encontro com o Mistério, prestando-lhe atenção sem o querer desvendar. Um encontro com a Beleza sem a medir. Com o Tempo sem o aprisionar. Com a Verdade sem as distorcer. Um encontro com o Ar. Terra. Água. Fogo. E o Éter.

    Como nos diz Timothy Morton, em Toda a Arte É Ecológica, “a arte é um lugar que procuramos habitar para tentar perceber o que significa ser humano em relação com o não-humano: o mundo, as coisas, os elementos”*. 

    O Teatro é esse lugar privilegiado de encontro entre pessoas, saberes e experiências — cruzando o local, o nacional e o internacional — mas também o encontro entre o material e o inatingível. O Teatro é um instrumento fundamental na reflexão profunda sobre o nosso rumo conjunto, do mais complexo ao mais elementar.

    E AR pode ser som e voz mas também poluição, pode simbolizar o céu ou o ar tóxico os ares dos tempos, mas também representar um festival que acontece num livro, como o dos Encontros de Novas Dramaturgias, que quis existir mesmo em tempos de distância física, capturando assim o ar dos nossos tempos para o guardar na página impressa, pela voz de uma trintena de dramaturgos contemporâneos de língua portuguesa.

    TERRA pode ser vida e o movimento dos corpos no planeta, pode ser a dúvida eterna de Vera Mantero acerca d’“O Susto que é o Mundo” que veremos este sábado às 21h ou, pode ainda ser um desenho de luz que inspirou o coletivo teatral Bestiário a construir o seu novo espetáculo.

    Terra pode ser o chão que pisamos ou a matéria de que é feita a arte mais “antiga” e que ainda hoje nos inspira, como na performance “Missed-En-Abîme”, de Rogério Nuno Costa. Pode ser a geografia que lemos num espetáculo como “Not to Scale”, de Tim Etchels e Ant Hampton, onde dois a dois, desenhamos numa folha de papel o espetáculo que queremos ver.

    FOGO pode ser o princípio de tudo, pode ser a destruição de tudo, pode ser a primeira descoberta humana ou o que alimenta as paixões e os corpos, como em “Orgia”, de Pasolini, com encenação de Nuno M. Cardoso.

    ÁGUA pode ser o mar e a vida marinha, mas também pode ser a nossa sobrevivência e o caminho marítimo até outras formas de estarmos juntos, como fez o K Cena –Projeto Lusófono de Teatro Jovem – que, desde outubro passado, ensaia à distância desde Viseu com companhias sediadas no Brasil, em Cabo Verde e em São Tomé.

    E, finalmente, o ÉTER — o quinto elemento, inefável —, que é também a unificação das forças, a revolução para lá da de Copérnico e dos Cravos, a arte quando nos toca sem sabermos porquê. E haverá gesto mais ecológico do que cuidarmos e gostarmos e queremos as coisas, procurando nelas o belo e o fascínio simplesmente, sem saber porquê?

    Há muito para ver, sentir e conhecer nesta nova programação. O ano só agora começou!

    Patrícia Portela

    • All art is ecological, Timothy Morton, Green Ideas, Penguin books, 2021

    Boca a Boca - O aniversário da arte

    Boca a Boca - O aniversário da arte

    1 000 059.º ANIVERSÁRIO DA ARTE

    Segundo o artista francês Robert Filliou, seguidor da corrente artística Fluxus, a 17 de janeiro de 1963, o dia do seu nascimento, a arte celebraria um milhão de anos. Segundo o artista, a arte nascera no momento em que alguém deixou cair uma esponja seca numa tina com água. Desde então, artistas celebram este dia um pouco por todo o mundo, com arte-postal, festas, (re)encontros, exposições, conversas e um bolo de aniversário.

    A 17 de janeiro de 1974, o artista multimédia Ernesto de Sousa organizou uma festa comemorativa do 1 000 011.º Aniversário da Arte em Portugal, no Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (CAPC).  

    A 17 de janeiro de 2021, abrimos a temporada do Teatro Viriato com a tradição Fluxus de celebrar o Aniversário da Arte, na companhia de parceiros de longa data como o Cine Clube de Viseu, o Museu Nacional Grão Vasco, o Vale do Côa ou a ZDB, com uma mão cheia de artistas que ocuparam o palco com concertos, espetáculos, leituras e happenings que acabaram por ser transmitidos online devido a um segundo período de quarentena nacional devido à pandemia de Covid-19.

    Há uns tempos, sentava-me eu ao lado da Isabel Campante pela primeira vez no café do Teatro e reparava que a sua decoração era toda ela feita de painéis de azulejos azuis com retratos de escritores portugueses, todos homens. Luís de Camões, Almeida Garrett, Guerra Junqueiro, Raúl Brandão, entre tantos outros. Não foram precisos dois galões nem meia torrada para imaginarmos o café forrado a mulheres rebeldes. Eu adoro a Clarice Lispector, dizia eu. Já leste a fundo a Maria Velho da Costa? Dizia a Isabel. Se fazemos uma homenagem, temos de ter a Ana Hatherly! E a Sophia? Já leste a Poética II? Homenagem? Porque não lhe chamar uma “Mulheragem”? As ideias mais simples nascem assim, no café, às 8 da manhã, a trocar impressões sobre o dia. Daí celebrar o aniversário da arte na companhia de 3 artistas plásticas de Viseu e arredores foi um passo. Convidámos Ana Biscaia, Beatriz Rodrigues e Rosário Pinheiro a desenharem 12 retratos das suas autoras de eleição, e convidámos 13 autoras para escreverem cartas a autoras que admiram. 

    Hoje passei lá de manhã antes de terminar esta crónica. Um senhor de uma certa idade discutia que nunca tinha ouvido falar em nenhuma delas, mas que já tinha percebido que algumas eram atrevidas (referindo-se à indumentária transparente de Natália Correia). Outro senhor folheava a folha de sala da exposição. Assim se inicia o diálogo entre gerações, estilos, geografias e vontades, ocupando o espaço público, mudando-lhe por vezes a cara, e contando sempre com o olhar cúmplice do senhor Zé do Café do Teatro.

    E, enquanto isso, continuamos a dar o corpo ao manifesto na sala do teatro com o Encontro de Dança Contemporânea NANT. Esta semana temos PINY, Sara Anjo, Sofia Dias e Vítor Roriz e ainda um documentário sobre a Re.al de João Fiadeiro por Maria João Guardão em mui amistosa parceria com o Cine Clube de Viseu.

    ARTISTAS dos retratos da “Mulheragem” Ana Biscaia (Ilse Losa, Maria Lamas, Maria Keil e Matilde Rosa Araújo), Beatriz Rodrigues (Ana Hatherly, Clarice Lispector, Hilda Hilst e Maria Velho da Costa) e Rosário Pinheiro (Agustina Bessa Luís, Judith Teixeira, Sophia de Mello Breyner Andresen e Natália Correia) 

    Autoras das cartas – Sara Barros Leitão, Marta Bernardes, Joana Bértholo, Rita Taborda Duarte, Inês Fonseca Santos, Raquel Nobre Guerra, Sílvia Prudêncio, Isabela Figueiredo, Joana Bértholo, Patrícia Reis, Catarina Machado, Patrícia Portela, Alva Ramalho.

    Mais info em www.teatroviriato.pt

    Boca a Boca – Dar o corpo

    Boca a Boca – Dar o corpo

    O que significa receber a herança de um encontro de dança que marcou uma década, juntando novíssimos coreógrafos que nele se apresentaram pela primeira vez e tantos que são hoje consagrados? O que significa ser a décima edição de um encontro que se intitulou New Age, New Time num ano como o de 2022, o terceiro que se vive em pandemia? Será que se vive cada vez mais consciente do tempo, do corpo, da fisicalidade, da distância e do peso das palavras que usamos para nomear o que sentimos, o que fazemos, o que queremos, o

    que não queremos?

    Para esta edição, que é simultaneamente a 10.ª e a 01.ª, repensamos cada palavra, cada escolha, cada gesto.

    Começamos pelo título: NANT. Procurámos o seu significado como se não o conhecêssemos, como se não conhecêssemos a história deste encontro. O uso da palavra “nant” pode remontar ao século XIX e ao viajante e autor George Borrow (1803-1881), para significar “pequeno riacho”, “pequena corrente de um rio em Gales”; ou pode denominar alguém apaixonado pela tecnologia e que a usa para embelezar a vida e o seu meio ambiente. Se usarmos a palavra “nant” em francês numa expressão como “L’Europe est t’arriver à un tournant”, queremos dizer: "A Europa chegou a um ponto de viragem”. “NAN” (acrónimo do inglês Not a Number) em linguagem de programação representa um número indefinido ou irrepresentável.

    New Age está hoje conotado com um movimento alternativo à cultura tradicional ocidental, com um forte interesse no misticismo, no ambientalismo e numa perspetiva holística do mundo. New Time... novo tempo... estará ligado a quê? A que novo tempo nos referíamos há uma década e que novo tempo desejamos agora? Se “nant” é uma palavra que se pronuncia da mesma maneira em quase todas as línguas e que não tem tradução, New Age, New Time pode ser traduzido para uma nova expressão que melhor represente as novas ações, do corpo, da mente, no espaço, que pretendemos divulgar, descobrir, praticar; e os novos tempos que se desenham, que se formam, que queremos moldar, preencher e construir para os podermos habitar em conjunto.

    Assim nasceu a vontade de rebatizar este encontro — entre e dos corpos em movimento — de NANT- Novas Ações, Novos Tempos e de a dedicar inteiramente ao corpo:

    o corpo feminino ou masculino, o corpo não binário, o corpo belo, o corpo que adoece e envelhece, o corpo mútuo, o corpo duplo, o corpo norma e tradição, o corpo que rasga o sistema, o corpo domesticado, o corpo livre, o corpo língua, o corpo planeta, o corpo que dá o litro e se entrega à vida e ao movimento, o corpo que se entrega ao manifesto.

     

     E o que significará isso de dar o corpo ao manifesto em 2022?

    Será cuidá-lo e protegê-lo? Será arriscar perdê-lo a cada dia que passa? Oferecê-lo às balas? investi-lo de ação e de tempo?


    Porque para existir é preciso respirar, é preciso ter corpo, é preciso ter movimento, abrimos 2022 oferecendo os nossos corpos múltiplos aos tempos vindouros, juntando-nos para celebrar o que um corpo pode em palco, o que um corpo pede, o que um corpo pulsa, o que um corpo dá, o que um corpo precisa, o que muitas vezes não é mais do que outro corpo com quem se amantizar, pensar, trocar ideias, avançar na (sua? nossa?) história.


     Abrimos com “Bate Fado”, de Jonas & Lander, no dia 14 de janeiro, e terminamos com “O susto é um mundo”, de Vera Mantero no dia 29 de janeiro, acompanhando todo o período eleitoral a pensar no que nos faz mexer, no que nos move, no que tem e oferece movimento, o que dá corpo às nossas ideias, aos nossos desejos, aos nossos votos para o futuro.


     


     

    Boca a Boca - Este ano

    Boca a Boca - Este ano

    Este ano celebrámos o aniversário da arte a 17 de janeiro no nosso palco, filmando as apresentações de mais de três dezenas de artistas que se deslocaram até Viseu três dias antes do previsto assim que soubemos que íamos entrar em nova quarentena. Dez minutos antes da meia-noite, acendíamos as velas e o pianista Filipe Raposo tocava o “Parabéns a você” no piano de cauda que temos no palco. À meia-noite fechávamos o teatro naquele que deveria ser o dia de abertura da nova temporada sem saber quando nos voltaríamos a ver.

    Este ano iniciámos um “Blind Book Date”, uma lista de livros escolhidos pelos artistas de cada temporada que os nossos espectadores poderiam adquirir na nossa bilheteira ou na livraria pretexto da Leya, ou na livraria Poesia Incompleta, conhecendo apenas um dilema escrito sobre eles.

    Este ano as sessões de leituras encenadas do “Noite Fora”, que costumavam acontecer no estúdio do teatro, foram todas diferentes: transformaram-se em programas radiofónicso ou em sessões mistas entre a apresentação em palco e a entrevista por zoom, sempre com autores contemporâneos estrangeiros.

    Este ano iniciámos as conversas “Boca Livre”, e na casa tivemos Pedro Santos Guerreiro, Miguel Castro Caldas, uma rara entrevista de Rui Catalão a B fachada, espreitámos a comunidade artística da Arménia e discutimos os direitos das empregadas domésticas com Sara Barros Leitão e a socióloga Mafalda Araújo.

    Este ano aproveitámos cada momento em que estivemos fechados para ensaiar, para criar novas peças, para construir novos projetos. Nesse período nasceram os espetáculos “A fragilidade de estarmos juntos”, de Miguel Castro Caldas, António Alvarenga e Sónia Barbosa e “Aleksei ou a Fé”, de Sónia Barbosa. Ambas as peças, que foram inteiramente construídas no teatro, têm agora as suas tournés pelo país.

    Este ano celebrámos o Dia Mundial do Teatro com uma peça que estreou online e que teve espectadores nos quatro continentes. Fraga, figura máxima do Teatro em Viseu encenou Brecht com uma equipa inteiramente viseense de diferentes gerações. Em pleno inverno e em plena pandemia, num momento em que as ruas estavam desertas, o teatro foi um farol sempre aceso onde se reuniram criadores, intérpretes e pensadores que não desistiram de um futuro próximo com os teatros abertos.

    Este ano o magnífico músico Peter Evans teve de cancelar o seu espetáculo e à última da hora Ricardo Toscano aceitava tocar no Festival Internacional de Música Primavera e dizia: posso experimentar um double trio? Gostava de juntar dois contrabaixos e duas baterias... O concerto foi mágico e fechou o último dia da nossa quarentena

    Este ano fizemos a primeira parceria com o FITEI – Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica, e a primeira parceria com o Festival MEXE, e apesar das fronteiras fechadas, fomos ao Chile e ao Brasil pela mão de Manuela Infante, Janaína Leite ou La Resentida.

    Este ano, e vinte anos depois da sua estreia, “The Show must go on” um dos espetáculos mais icónicos de Jérôme Bel , regressava aos palcos portugueses. Tal como na sua estreia, houve quem se levantasse da plateia para ir dançar.

    Este ano oferecemos duas residências artísticas a dois músicos promissores portugueses que construíram ou lançaram em Viseu os seus álbuns: Gabriel Ferrandini com “Hair of the Dog” e Maria Reis “Em benefício da dúvida”.

    Este ano juntámo-nos pela primeira vez aos Jardins Efémeros e recebemos uma residência, quatro espetáculos e uma instalação e eu vi um namoro a nascer nos corredores que vai por certo dar um concerto inesquecível para o ano.

    Este ano fomos ao Forum Viseu à procura de um parque de estacionamento para montarmos a instalação “Natureza Fantasma”, de Marco Martins e acabámos por ocupar uma loja no Forum Viseu, entre o fitness e o supermercado. “Meia Dose” foi um lugar onde se deram os encontros mais improváveis entre artistas e público.

    Este ano Rui Reininho reeditou connosco e com o Cine Clube de Viseu o seu primeiro livro de poesia, Dino D’ Santiago deixou a casa ir abaixo no início da sua temporada em setembro.

    Este ano dedicámos duas semanas a coletivos artísticos: a primeira aos Praga, a segunda à Companhia Dançando com a Diferença.

    Este ano o K Cena – Projeto Lusófono de Teatro Jovem - tem acontecido na sala de ensaios, online, em direto e em diferido. O autor escolhido é o Gonçalo M Tavares e o ponto de partida são os gráficos que escreveu para o Teatro Viriato durante 2020 sobre a cidade e as coisas.

    Este ano lutámos contra imensos obstáculos e múltiplas intempéries, mas os artistas e o público ensinaram-nos uma coisa:

    Nada se perde, tudo se transforma. E onde não se pode abrir uma porta, entraremos por uma janela. Onde não nos podemos aproximar, encontramos outras formas de viver colados uns aos outros, alimentando-nos, nutrindo-nos com aqueles ingredientes que só se semeiam e só se colhem em campos onde há sempre 4 estações.

    Despedimo-nos deste ano dizendo até já. O próximo ano será ainda melhor.

    Boca a Boca 71

    Boca a Boca 71

    Boca a Boca 71

    Considerado um dos músicos mais alternativos de Chicago, Jim O'Rourke abria o seu album “Eureka,” de 1999 a cantar 16 vezes Women of the world take over, 'cause if you don’t the world will come to an end and it won’t take long.
    22 anos mais tarde, ponho a tocar o álbum enquanto leio que, de acordo com as Nações Unidas, tendo em conta o actual quadro político mundial, apenas daqui a 130 anos conseguiremos alcançar uma verdadeira igualdade de género no topo da hierarquia política dos estados. E não será por certo por falta de mulheres no planeta, nem de oportunidades para fazer a diferença.
    Durante a conferência mundial sobre clima (o COP26) nos passados meses de outubro e novembro, investigadores e cientistas concluíram que houve um aumento sem precedentes das temperaturas globais nos últimos 150 anos, devido à concentração de gases de estufa na atmosfera e ao consequente degelo polar. Fala-se em 7 anos no máximo para conseguirmos reverter o aquecimento global...
    O ser humano consegue atingir velocidades estonteantes para certos progressos e exibir uma inércia obscena para tantos outros avanços. 
    Pergunto-me no meio disto qual o papel de um Teatro de uma cidade nestes balanços mundiais. Dar mais voz a artistas mulheres, como a Rafaela Santos, cofundadora e diretora da Amarelo Silvestre, companhia que nos apresenta este final de semana em Diário de uma República um olhar sobre os últimos 20 anos em Portugal? Ou como Sara Barros Leitão que na próxima semana tomará conta do nosso palco e da Meia Dose no Forum Viseu  para nos falar do primeiro sindicato das empregadas domésticas? Ensaiar novas formas de estar? Ou manter a funcionar as que já estavam a funcionar bem? E estariam a funcionar bem? Ou apenas nos agradavam por nos serem mais reconhecíveis, mais confortáveis? Como poderá um teatro contribuir para alterar ou menorizar este desequilíbrio do clima e de género, esta balança sempre a pesar para o mesmo lado e a obrigar a carroça a repetir as mesmas orientações para chegar à sua meta quando o caminho que percorre a leva para os tais 130 anos de atraso, para os tais 150 de velocidade destruidora, para um lugar que afinal, não escolheu querer chegar?
    Continuo a ouvir Jim O’ Rourke e a pensar que nem sempre pensamos bem, nem sempre acertamos nas decisões que nos parecem mais acertadas, e que nesses momentos devemos ter a coragem de levantar os olhos do papel onde escrevemos as nossas obrigações e subir a visão acima dos pequenos desvios do quotidiano para ganharmos novos horizontes.
    Jim o Rourke agora canta, em “Something Big”: Porque devo eu preencher a minha vida de pequenas coisas quando há tanta coisa grande que devo fazer, tantos sonhos que deveriam tornar-se realidade antes de morrer.
    Conhecem o resto da letra? Ora ouçam.

    Something Big
    Like a grain of sand
That wants to be
A rolling stone
I want to be the man
I'm not,
And have the things
I really haven't got
And that's a lot
    There'll be joy
And there'll be laughter.
Something big is what I'm after now
Yes, it's what I'm after now
    After taking, take up giving,
Something big is what I'm living for
Yes, it's what I'm living for
Living for
    Why must I go on
And fill my life with little things
When there are big things I must do
And lots of dreams
That really should come true
Before I'm through

    https://www.youtube.com/watch?v=1TVVQvk5KbM

    O ser e a Diferença ou O Pão e as Abelhas | T4 Ep11

    O ser e a Diferença ou O Pão e as Abelhas | T4 Ep11
    "É verdade que um grão de trigo habita alma infinita e que sem abelhas poderemos não subsistir. Se por um lado os autores destas frases (...) não podem reclamar a sua autoria, é certo que ambas os ultrapassaram e se tornaram conhecimento comum e mundano, (...) pertencendo-nos e obrigando-nos a ver o pão (e as abelhas!) por um novo prisma: pelo lado que nos alimenta e nos permite sobreviver".

    O meu caminho vai dar a Montemuro | T4 Ep10

    O meu caminho vai dar a Montemuro | T4 Ep10
    Patrícia Portela fala de uma semana que começou com uma emocionante homenagem a Jorge Salavisa, vai ter o regresso ao palco do Teatro Viriato do coreógrafo Paulo Ribeiro e que, subitamente, é interrompida com a notícia do falecimento da Paula Teixeira, do Teatro Regional de Montemuro. E, por isso, esta crónica hoje é dedicada aos nossos parceiros de longa data, a toda a equipa do Teatro Regional da Serra de Montemuro. Não temos palavras para vos abraçar e, no entanto, é preciso escrever e dizer: Obrigada por tudo! Coragem para tudo! Que a tragédia nos ensine a não deixar para trás os projetos que ainda não conseguimos fazer já! Hoje, todos os caminhos vão dar a Montemuro, os da voz, os da memória e os do futuro. Pensamos em vós.

    Haverá flores nas cidades do futuro? | T4 Ep9

    Haverá flores nas cidades do futuro? | T4 Ep9
    "Augusto Abelaira escreveu, em 1959, 'A Cidade das Flores', no qual, num futuro próximo, a Europa não sofreria com o fascismo… Passado em Florença, Abelaira denunciava o que se passava em Portugal para incitar uma geração à resistência e à luta ativa. Três gerações mais tarde, Joana Craveiro pega na obra de Abelaira e leva-a à cena no Teatro Viriato."

    Mais planeta, menos cliques | T4 Ep8

    Mais planeta, menos cliques | T4 Ep8
    "Queremos resolver uma pandemia enquanto queremos melhorias económicas permanentes. Queremos aceder a tudo a toda a hora de forma gratuita e com a maior qualidade. Queremos água límpida nos nossos rios e cidades verdes ao mesmo tempo que nos queremos deslocar de automóvel até ao café. Temos acesso a tanto, quando a maioria do planeta não tem acesso nem a tratamento das águas, nem a ferramentas digitais decentes".

    Fé nas ideias | T4 Ep6

    Fé nas ideias | T4 Ep6

    A história das ideias é a história dos corpos que se movem, que se alimentam e desesperam por causa delas. É a história do pensamento em dúvida. Em cheque. Por definir e em conflito antes de se tornar matéria e mutação. A história das ideias é história da fé no que ainda não existe, é a história de uma convicção cega no fazer, certos de que as ideias devem ser todas levadas a bom porto, transformadas em algo palpável, tangível, concreto, evidente, com data, hora e local marcado para acontecerem. Vivemos acreditando que uma ideia que não se concretiza em lei, edifício ou objeto, não pode ser bem uma ideia. Uma ideia tem de nos fazer sair do nosso lugar e contribuir para uma nova visão do mundo. Ou ser silenciada.

    Mas as ideias também chegam de surpresa para nos fazerem questionar o sentido das coisas e as coisas que fazemos sem sentido, para nos lançarem desafios que não escolhemos, de forma consciente ou inconsciente, direta ou enigmática.

    A história das ideias é a história do que nos persegue, do que nos motiva ou do que nos mantém à tona de água quando perdemos o pé. 

    A história das ideias é a história dos avanços e recuos que provocamos no mundo, os que premeditamos e os que sofremos por premeditação alheia. Talvez por isso seja tão importante não vivermos só com as nossas ideias. Talvez por isso seja crucial sairmos de casa para pensarmos com a cabeça dos outros, com as épocas dos outros, com as ideias, as trevas, mas também o brilho de outros - como Sófocles, Shakespeare, ou Dostoievski, os três grandes autores de «Édipo-Rei», «Hamlet» e «Irmãos Karamazov», as três obras-primas sobre a verdade da psique, como diria Sigmund Freud. 

    Será pensando nas ideias que ainda terei que sairei do meu lugar seguro onde escrevinho os meus apontamentos e sairei de casa para revisitar “Aleksei ou a Fé” de Sónia Barbosa, esta sexta e sábado, no Teatro Viriato. Sairei para me perguntar:

    - Em que ideias vale a pena acreditar?

    ____
    Patrícia Portela, diretora artística do Teatro Viriato

    A presença e o presente | T4 Ep5

    A presença e o presente | T4 Ep5

    O que fascinava Roland Barthes numa fotografia era o facto de tudo o que se via nela ter acontecido. Corpos reais em lugares reais cumprindo ações reais num tempo e espaço reais eram capturados por olhos mecânicos e podiam ser revisitados infinitamente quando só tinham acontecido uma vez. A fotografia repete na imagem aquilo que não se pode repetir na existência. É a presença da ausência, tal como os raios de luz de estrelas há muito emitidas no universo e só agora visíveis, diria Sontag. No século que inventou ao mesmo tempo a história e a fotografia, olhava-se para uma imagem fotográfica e sabia-se que determinada realidade já tinha existido.

    Hoje não é bem assim. Hoje temos a manipulação da imagem e a sua transmissão e difusão em direto e em diferido, dentro e fora de contexto. Hoje temos o Deep Fake e a rede de histórias quotidianas que descrevem os nossos dias resulta da compra, venda, montagem e colagem de bocados de imagens, umas reais outras fabricadas, histórias que nos conduzem a viver por vezes mais do que uma vida em paralelo: a que o corpo sente e se obriga, voluntária ou involuntariamente, e a que construímos para nos mostrarmos aos outros.

    Foi num tempo que tem na fotografia múltiplas realidades existentes e não existentes que uma pandemia ceifou a presença imediata nos palcos um pouco por todo o globo. E foi nesse mesmo contexto que Marco Martins convocou a fotografia enquanto memória e como presença de uma realidade só que já existiu (bem ao jeito de Roland Barthes em Câmara Clara) e criou a instalação “Natureza Fantasma” para a Companhia Maior.  

    A Companhia Maior é um projeto de artes performativas desenvolvido por artistas séniores e que, anualmente, desde 2010, convida um artista ou um coletivo por ano a criar uma obra original  Pedro Penim, Jorge de Andrade, Sofia Dias e Vítor Roriz, Mónica Calle, Joana Craveiro ou Tiago Rodrigues foram já alguns dos artistas convidados.

    Em 2020 o convite foi endereçado a Marco Martins. E em março do mesmo ano, uma pandemia pôs em causa a natureza dos espetáculos ao vivo e considerou a maior idade um grupo de alto risco. As impossibilidades pareciam muitas e pertinentes, mas as questões que o projeto levantava, exigiam respostas mais urgentes: Que sociedade é esta que isola os mais velhos? Em que sociedade nos tornamos quando deixamos de velar os mortos? O que somos quando aceitamos a suspensão do tempo para que o tempo passe sem nós? E que espectáculo se pode fazer para continuar a convocar a presença no tempo presente? Até onde vai o compromisso, até onde pode ir a transformação de um objecto sem desvirtuar a vontade e a paixão que o originaram?

    Marco Martins decide conversar. Decide descobrir e pensar as realidades de cada um dos seus intérpretes através de velhos álbuns de fotografias de família. Inicia um processo de combustão entre as histórias que ouve e as fotografias que todos podemos ver. Marco Martins converte memórias privadas em fantasmas coletivos e descobre o ouro indispensável de que as artes vivas são feitas: A presença no presente. A confusão, neste caso necessária, entre o Real e o Vivo. Através da emoção, da recordação e do encontro: com o passado, com os outros e com que ainda está para vir.

    Afinal, ainda há muitas maneiras de se habitar um espaço que reclama distância. Há muitas formas de estarmos colados uns aos outros por corpos intangíveis e no entanto muito reais. A fotografia e a imagem em movimento são um encontro com esses corpos.

    Tal como Roland Barthes olhava uma fotografia de 1852 do irmão mais novo de Napoleão e se deslumbrava com a ideia daquele olhar já ter olhado para o Imperador, também nós em “Natureza Fantasma” olhamos para pessoas que já olharam para os intérpretes e criadores desta peça, que já conviveram ou ainda convivem com quem tem agora voz nesta instalação.

    Ou seja, Marco Martins reinventa a presença no teatro convocando a sua mais antiga missão: o ritual de passagem entre a vida e a morte através da convocação da presença dos nossos fantasmas. E tudo isto perante a ausência de um tempo de acção presente que se viveu em 2020 e 2021. Haverá algo mais crucial no Teatro do que a sua eterna relação com o culto da vida mas também da morte? 


    Foi uma felicidade do destino ver-me atravessada no percurso desta obra que me caiu no regaço quando cheguei ao Teatro Viriato. Aquilo que começou por ser uma co-produção que previa uma companhia com duas dezenas de actores em palco, transformou-se num clássico grego com centenas de figurantes e intérpretes que transformam a garagem no piso -3 do parque de estacionamento do Forum Viseu num anfiteatro no cume de uma montanha olímpica. É lá que assistimos à história de todos nós.

    ____
    Patrícia Portela, diretora artística do Teatro Viriato

    Tristany acorda-nos | T4 Ep4

    Tristany acorda-nos | T4 Ep4

    Enquanto um estudo de dois anos intitulado Pandora Papers, envolvendo 600 jornalistas em 117 países, revela a riqueza oculta de centenas de líderes e celebridades mundiais, António Saraiva, Presidente da Confederação Empresarial Portuguesa considera irracional o plano do Governo Português de aumentar o salário mínimo em 2022 para 705€.

    Enquanto se discute a irracionalidade de aumentar um salário tão mínimo, professores de todo o país escolhem leccionar no Algarve na esperança de entrarem mais cedo para os quadros, e alugam quartos minúsculos por preços absurdos com a garantia de serem despejados antes de cada verão para que os seus senhorios ganhem o dobro alugando-o a turistas.

    Enquanto os senhorios aproveitam as últimas semanas para albergarem os turistas que agora enchem os aeroportos e cumprem as city trips em falta, centenas de pessoas no aeroporto de Cabul já correram atrás de aviões que descolaram sem lhes abrirem as portas. Enquanto a Europa continua a discutir se deve ou não abandonar o Afeganistão à sua sorte uma explosão junto à mesquita de Cabul faz cinco mortos  e um estudo das Nações Unidas denuncia que apenas 5% da população afegã consegue pôr comida no prato todos os dias. Enquanto uns não conseguem pôr comida no prato com o salário que têm, outros esquecem-se da vida que levam assistindo à final do campeonato de Futsal de onde saem campeões mundiais ou ao último James Bond com Daniel Craig no papel principal, um filme que celebra uma era que teima em não se finar. Enquanto uns fazem o que outros desfazem, e uns têm a mais e outros nada terão, passa mais um fim- de-semana. 

    O fim-de-semana em que fui ao Teatro ver Tristany pela primeira vez ao vivo. 

    Em palco, na companhia de mais quatro músicos, Tristany habitou Viseu como se viajasse pela linha de Sintra. Puxou a meia por cima da calça, abraçou os seus parceiros como se fosse um fauno, cantou de pé, de costas, de cócoras, sentado no chão do palco, ouvindo os outros tocar e enquanto cantava perguntou-nos: 

    Vocês acordaram hoje com vocês? E o sol? Acordou com vocês hoje? 


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    Patrícia Portela, diretora artística do Teatro Viriato

    Já não chega só fazer teatro | T4 Ep3

    Já não chega só fazer teatro | T4 Ep3

    Na passada sexta-feira recebemos Paisagens para não colorir, do grupo La-Resentida com encenação de Marco Layera, a partir das histórias e entrevistas realizadas a 170 adolescentes vítimas de violência nas ruas do Chile. No palco, nove adolescentes entravam em cena. E, o espetáculo começava assim:

    “Temos entre 14 e 17 anos. Somos nove e entre todas há: Uma que dorme com um peluche. Seis que não acreditam em Deus. Cinco que já pensaram em suicidar-se. Uma que nunca deu um beijo. Três que já tiveram relações sexuais. Uma que viu o pai cuspir na mãe. Duas que foram ameaçadas de morte no thiscrush.com. Uma que abortou com misotrol. Sete que foram vítimas de bullying. Nove que marcharam no 8 de março. Cinco que foram agredidas físicamente pelos pais. Nove que sofreram de assédio na rua. Nove que foram chamadas de puta. Nove que querem deixar de ser invisíveis. Nove que precisam urgentemente de ser ouvidas.”

    “A realidade é excessiva”. E, contra ou a favor da realidade, “já não chega só fazer teatro”, afirma o encenador desta peça. Se fazemos uma peça sobre uma comunidade que não vem ao teatro, fazemos esta peça para quem? E, para quê? 

    A pergunta ecoou por toda a sala durante todo o espetáculo. A pergunta fazia ricochete e cada espectador se perguntou, certamente? Porque vimos ao teatro, porque estamos sentados a ver este espetáculo? Para que serve estarmos a ver este espetáculo e o que vamos fazer depois de o ter visto? Não chega só ver teatro e reconhecer em cada cena algo que já presenciámos, que sabemos que existe, que sabemos que se perpetua, que, quem sabe, também perpetuamos ou justificamos.

    A certa altura em cena um técnico da companhia faz de Pai e lê um jornal enquanto a filha grita: Papá, ouve-me! Papá ouve-me! Papá ouve-me! Cada vez mais alto. 

    Não há resposta.

    Do outro lado, na plateia, nós, que já fomos todas filhas, algumas são mães, a grande maioria nesta sala adultas, todas nós já nos vimos em situações semelhantes. A de não sermos ouvidas, mas também a de não ouvirmos. E, já não chega termos voz. Já não chega termos consciência dos nossos erros. Já não chega fazermos teatro, irmos ao teatro. Mas é sem dúvida um princípio fundamental. O começo de uma viagem através de um encontro, através de uma partilha para que todas e todos, juntos, lutemos por um lugar mais igualitário, mais livre, mais democrático, mais empático, mais justo. Assim o fizemos na passada sexta-feira, numa sala quase esgotada. A ovação de pé que se ouviu soou a pacto. Ninguém se vai calar, até que o último lugar na Terra seja o melhor lugar.

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    Patrícia Portela, diretora artística do Teatro Viriato

    MEIA DOSE, Menus inteiros, almas preenchidas | T4 Ep2

    MEIA DOSE, Menus inteiros, almas preenchidas | T4 Ep2

    Começámos a nossa temporada de braço dado com o Dino D’Santiago. Ao primeiro segundo estávamos de pé, ao segundo estávamos a dançar, ao terceiro estávamos a gritar com ele:

    Saibamos ser Nós!

    Se nos estivéssemos esquecido do que era estar numa plateia, do que era sentir esta ligação inesperada através da música e da energia que cresce quando estamos todos juntos a partilhar um concerto ou um espectáculo, Dino D’Santiago fez arrepiar uma sala inteira que, com ele, celebrou estar vivo no Teatro Viriato. Não poderíamos começar melhor. Talvez por isso tenhamos sido ambiciosos e tenhamos subido a parada. E decidimos dar o braço ao FORUM Viseu e ocupar temporariamente uma loja no seu piso 0 entre o fitness e o supermercado, para marcarmos encontros fora de horas e fora da nossa casa com os nossos espectadores. Como explicar o que é esta MEIA DOSE que abrimos já quarta-feira pelas 12h30?

    Imaginem que, como sempre, vamos a correr ao supermercado para comprar algo embalado, que vamos comer a correr, sentados num banco do centro comercial, enquanto, também a correr, espreitamos nos nossos telemóveis as últimas notícias que já conhecemos. Imaginem que nessa pausa, em vez de nos perdermos mais uma vez nos comentários das redes sociais, ou de continuarmos a matutar naquele documento que já não conseguimos (re)ler…. Imaginem que nesse curto espaço de tempo de paragem no dia podemos assistir a um miniconcerto, ou ouvir uma pequena conversa, ver um filme que está a passar na nossa loja, ouvir os contos que acompanham a exposição dos desenhos dos telões de Alice Geirinhas, Bárbara Assis Pacheco e Pedro Vieira que desenharam as imagens das nossas três temporadas?  Ou que espreitamos um livro que desconhecíamos e nos sentamos nos belos assentos da Movecho de uma sala acolhedoramente decorada para nos receber?

    É tudo isto o nosso novo espaço! Entre setembro e dezembro a MEIA DOSE estará aberta a todos os visitantes de quarta a domingo, entre as 12h e as 18h. Durante esse período poderá descansar no nosso espaço, ver a nossa exposição, assistir a um vídeo ou ouvir um conto, falar com um dos membros do Teatro Viriato presentes no espaço, consultar a nossa programação, ou só sentar-se para respirar e descansar, ou ainda, acompanhar a nossa programação gratuita elaborada de surpresa e com todo o carinho pelos artistas desta temporada, especialmente para si, que vai a passar, na sua azáfama, e se deixa surpreender por aqueles que desejam conhecê-lo, ou conhecê-la e actuar para si. Porque sim. Porque o encontro e a presença são a maior dádiva que se leva desta vida. São as musas que nos fazem aguentar os dias.

    Tudo pode acontecer a cada semana. Para participar, basta lá passar à hora combinada...e entrar! Contamos com a sua visita?

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    Patrícia Portela, diretora artística do Teatro Viriato

    Ser e não estar? Estar e não ser? | T4 Ep1

    Ser e não estar? Estar e não ser? | T4 Ep1

    Ser e não estar? Estar e não ser?  

    Por Patrícia Portela 

     

    Ser ou não ser,  

    Estar ou não estar 

    Ser mas não estar 

    Estar sem o ser. 

    Hoje estamos ausentes na presença, ligados à corrente, ao telemóvel, à plataforma digital que nos deixa cumprir o horário de trabalho no local da família e do lazer. 

    E estamos presentes na ausência, relembrados pelas cadeiras vazias em teatros e cinemas, em jantares e aniversários. Passamos o tempo a pensar que queríamos estar noutro lado, porque longe daqueles que amamos e que estão doentes. Distantes. 

     

    Ser e não estar 

    Estar sem o ser,  

    Será mais nobre aceitar o infortúnio, resignada. 

    Ou insurgir-me contra as provocações e os impropérios, contra as injustiças e as desigualdades? 

    Estaremos mais à altura quando vamos à luta 

    Ou quando, imóveis, decidimos pôr fim à angústia com o sono, empurrando a dor para o dia seguinte, até à morte? 

    Dormir, talvez sonhar, com a presença dos ausentes,  

    Com a ausência de um contágio que não convidámos a entrar no nosso estar. 

    Ser e não ser 

    Estar e não estar. 

     

    Este trimestre convocamos a sua presença - física, grande, pronta, decidida, de todo o ser - no nosso teatro. Queremos ouvir a plateia, aplaudindo, pateando, discordando, acrescentando, sempre, a tudo o que apresentamos. 

    Queremos saber a altura e o cheiro do nosso público, como se ri, como entra na sala, se sai a correr ou se fica para conhecer os artistas e dar a sua opinião. 

    Queremos conversar. Através da arte e através do encontro, antes e depois de cada espetáculo. 
     Porque são as cogitações que constroem os obstáculos e a melancolia, a vontade de escapar ao tumulto da existência através do repouso e da morte. Mas também são, na presença de outro, daquele que de nós difere, o que nos acorda, o que nos faz amenizar o cenário mais negro, o que nos dá coragem para enfrentar todos os males, a irrisão do mundo, 

    O agravo do opressor, a afronta do orgulhoso, o desprezo do amor, a insolência oficial, as dilações da lei, a impaciência dos tempos, o mérito imerecido dos traidores. 

    É o pensamento que nos acobarda perante a possibilidade da morte, e é esse medo, na companhia de outros que connosco partilham tantas ansiedades, o que nos conduz à possibilidade da ação. 

    O teatro é esse lugar onde todas as noites se está para se poder ser, e onde se é tanta coisa, quando não se pode estar em mais lado nenhum. 


    Ação, Palavra, Missão. É esta a nossa questão! 

    Consulte toda a programação desta nova temporada do Teatro Viriato nos locais habituais. E pode procurar-nos, queremos a vossa presença nas perguntas e nas respostas.

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    Patrícia Portela, diretora artística do Teatro Viriato

    Um fémur curado ou a selva | T3 Ep25

    Um fémur curado ou a selva | T3 Ep25

    E sem querer, lá estamos nós a chegar, de novo, ao fim de mais uma temporada.

    Mais uma semana e agosto entra-nos pela vida adentro, passará provavelmente a correr, e em setembro cá estaremos a reabrir portas, como se tudo pudesse sempre recomeçar mais uma vez. 

    E o estranho é que pode. 

    E o mais estranho ainda é que isso é tendencialmente bom.

    Agarramo-nos tanto à incapacidade de previsão como forma de estar nos dias e esquecemo-nos de que o quotidiano é circular. 

    Vivemos por ciclos, e necessitamos tanto de pousio como de aceleração. 

    Se somos um bicho que pensa e que progride, não é porque somos capazes de inventar a agulha, ou a roda, ou até mesmo construir asas para voar, mas porque temos a capacidade de parar, de esperar pelos outros que não são tão rápidos nem tão ágeis como nós. É porque acompanhamos aqueles que são dependentes de nós, aqueles que sem nós ficam para trás, não crescem, não chegam mais longe, que somos um bicho que progride e que pensa. 

    Há poucos dias, em conversa com a Teresa Martins Marques, presidente do Pen Clube Português, associação de poetas, ensaístas e narradores, ela dizia-me: já pensou que chegámos aqui porque somos seres sensíveis e não porque somos fortes? Já pensou que um animal selvagem que parta um fémur não sobrevive o tempo suficiente para o curar porque é deixado para trás e não chega a recuperar? Sem outro animal que o ajude, não poderá fugir do perigo, não poderá caçar e saciar a fome, será presa fácil para os seus predadores. Já pensou que o primeiro sinal de civilização é um fémur partido curado? Porque para curar um fémur é preciso ter alguém ao nosso lado que cuide de nós, que nos dê tempo para ficarmos quietos até o osso se voltar a colar.

    “Ajudar alguém a passar por uma dificuldade (durante o tempo que for preciso) é o ponto de partida para a civilização”, diz também a antropóloga Margaret Mead. Se tivéssemos todos seguido a lei da selva, o salve-se quem puder, já há muito que não teríamos futuro. Preocupados apenas connosco, teríamos deixado para trás os mais novos.

    A civilização não sobreviveu à conta dos princípios que hoje teima em promover e em seguir, enquanto o coração lhe pede e faz o contrário - pensei eu. A velocidade, a competição, a ansiedade, o controlo, a agressão, a maldita vontade de saber já como se chega ao fim, para que se chega ao fim, qual é o fim...

    Volto a pensar no querido mês de agosto e penso que é um mês de cura. Como um animal-tempo gigante que nos desacelera.

    Não deve haver ser humano neste planeta que, no decorrer deste longo inverno de 2020 e 2021 não tenha já partido um ou dois fémures pelo caminho. 

    Não deve haver ser humano que, mesmo todo partido e sem se permitir parar, não tenha tentado, em vão e já sem pernas, curar o próximo com as ferramentas que já não tem à mão.

    Não deve haver ser humano neste planeta que não necessite de tempo para colar os ossos, enquanto o mar lambe as feridas que depois devem secar ao sol. 

    Não deve haver ser humano que não caia, ao fim da sua temporada, e que, depois de parar, não se levante outra vez, como se nada fosse, pronto para recomeçar tudo outra vez.

    É o que contamos fazer neste próximo mês. 

    Vamos para casa sarar os fémures, para depois regressarmos, de corpo inteiro, e em muito boa forma, para as próximas caminhadas. Até já!


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    Patrícia Portela, diretora artística do Teatro Viriato

    Já fui ao Brasil, Goa e Macau... | T3 Ep25

    Já fui ao Brasil, Goa e Macau... | T3 Ep25

    Este mês já estive em Barcelona, em São Francisco, em Oslo, nas Fontainhas, no Porto, e no Bairro da Boa Morte, em São Tomé. Conheci o Bendik a tocar saxofone, a Dasha a desafiar o real, o Heine a encontrar teatro nos gestos do quotidiano, a Aurora a posar para um cartaz cheio de gente e o Costa a dar os seus primeiros passos no grande mundo multimédia ao lado do nosso Tomás. E tudo isto só porque vou ao teatro. E tudo isto sem sair de Viseu.
    O ser humano tem esta capacidade extraordinária de fintar os seus limites e de saciar a sua curiosidade, reinventando sempre o lugar onde está mesmo quando dele não pode sair. Talvez por isso me pareça tão estranho aceitarmos tão passivamente o sedentarismo, quando a cabeça passa a vida a querer viajar e se sente sempre mais confortável a descobrir que a repetir. Não vos parece ignóbil ficar fechado num quarto agarrado a um ecrã (provavelmente a seguir as notícias do que se passa lá fora), quando qualquer outro lugar do planeta está à distância de um abrir de um trinco da porta e a um passo lá para fora? 
    Há uns anos, apresentei no Teatro Viriato a «Anita Vai a Nada» ao lado de Cláudia Jardim. Apresentámos o espetáculo para todo o tipo de públicos e fizemos workshops para umas boas centenas de alunos do ensino básico. Começávamos o workshop sempre com o mesmo exercício: escrever num papel as 3 coisas que gostavam mais de fazer. A maioria dos participantes, entre os 9 e os 13 anos respondia: play station 1, play station 2, ver televisão! 
    A última sessão foi com as meninas da Casa da Aguieira, um projeto alternativo de acolhimento de meninas que cometeram crimes ainda na sua adolescência. Nós não sabíamos quem eram nem de onde vinham, estranhámos apenas serem só meninas. Todas elas escreveram no seu top: passear na praia e sentir a brisa na cara; ir a casa almoçar com a minha avó; viajar, correr na floresta.
    Naquele workshop fizemos tudo isso. Viajámos, fomos à praia, escrevemos cartas às avós. Eu e a Jardim ainda fizemos uma promessa. A de nunca transformarmos o que fazemos numa prisão, mas num trampolim para cumprir todas as causas e satisfazer todas as curiosidades. 
    Hoje, depois de terminar esta crónica, ainda vou a São Tomé de novo, onde se iniciou o projeto do Retiro da Boa Morte, e ainda passo por Moimenta da Beira, para congeminar novas ideias, e regresso ao Porto, mas só pelo telefone, e talvez adormeça a sonhar com o Atlântico, ali para os lados do Guincho. E tudo porque vou ao Teatro, no Largo Mouzinho de Albuquerque, em Viseu. 

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    Patrícia Portela, diretora artística do Teatro Viriato

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